quarta-feira, 18 de junho de 2008

Recompondo-se II

Era uma vez um menino. Ele tinha 5 anos. Um belo dia ele resolveu sair do mundo dos seus sonhos e acordar. Ser acordado. Pela mãe. Mas ele ainda não acordou direito. Ainda é um zumbi mutante. Zumbi mutaaaaante!! Até que o chuveiro abre e mata o zumbi. Argh, água fria é horrível!

Era uma vez uma toalha de cinco anos. Ela enrola um menino da mesma idade. Mas ela tem que sair, dar lugar ao uniforme branco de mangas azuis. Sortuda é a toalha, que vai poder passar o resto da manhã esparramada no sol da varanda.

A mochila está pronta. O lanche está pronto. O cabelinho tá bonitinho! Esse é o menino lindinho da mamãe! De cara feia, o menino anda até o portão da casa. Entra na van, dá de cara com um monte de outras gentes.

Tá faltando o Pedrinho. Outro menino avisa pro primeiro menino que o Pedrinho tá doente. É engraçado que só quando a gente não está é que ganhamos nome. Deve ter sido aquele perfume novo no banheiro.

Recompondo-se I

Os olhos são abertos pelas luminosas cortinas matinais. Uma cerração ainda paira por cima da cama e naquelas regiões distantes em que se supõe haver uma escrivaninha, um armário e uma TV. Subitamente duas coisas se movem sob o solo, entre a neblina: são as duas pernas puxando o corpo para o frio do lado de fora da colcha canjica.

Nestas horas de neblina tão espessa, são as pernas que mandam sob o resto do corpo. Elas deslizam escada abaixo. Passando pela bancada de pedrinhas macias e coloridas, as pernas ganham ajuda de alguém: uma mão, com todos os seus cinco dedos. Eles agarram a pedra marrom, peluda e fofinha. Outros dedos armam por trás, e um feixe prateado atravessam a pedra em uma piscada, revelando o seu surpreendente interior verde e gostoso. Kiwi! Agora os nomes estão vindo à tona: kiwi, faca, prato, cascas, mãos sujas, guardanapo, torneira-pia, água, rosto, olhos, aaaahhhhhrrr.

Agora as pernas e mãos estão ficando mais calmas, devolvendo o controle ao corpo. Aquilo dourado é uma chave: mão esquerda, vá pegá-la! Pernas, até aquele encaixe... aquele... fechadura! Gira, puxa, abre, aaaaahhh - a luzzzzz... Bolso, outra chave, outra porta, banco, pasta, volante, ré, marcha. Vamos ao trabalho.

Caminhante

Um homem caminha solitário na estrada. Sem seu cavalo, sem sua arma, sem seu chapéu. Solitário.
Um homem caminha com sua esposa pela estrada. Sem filhos, sem planos, sem sonhos. Com sua esposa, só.
Um homem caminha com seu cachimbo pela estrada. Sem fumo, sem erva, sem tosse. Com seu cachimbo vazio.
Um homem caminha molhado pela praia. Barraca, bola, bóia. Um homem caminha pela praia cheia.
Um homem caminha, tropeça, se derruba e pretende voltar. Calor, fome, horizonte distante. Muito espaço, melhor seguir.
Um homem caminha, caminha. Caminha. Sentado na janela, pensando na vida futura, um menino. Nem sabe o que é caminhar.

Um menino. Quintal, ônibus, escola.
Um gato. Cachorro, muro, prato.
Um homem, com sua esposa, caminha. Caminha até o carro. Caminha.
Com um gato e um filho na casa.
Não, não! Sem gato, sem filho, sem esposa, sem carro. Sem cachimbo, sem chapéu, sem fumo, sem tosse, sem bóia, sem sol. Com chuvas torrenciais. Caminha, cuidado com os sapatos molhados.

Um homem caminha com sua chuva pela estrada. Sapatos, gravatas, dedos - tudo pinga.
Um homem caminha com seu leão. O que seria de um homem sem seu leão?
Um homem caminha saltando e sorrindo. Sem filho, sem chuva, sem leão. Sorrindo, solitário. Sorrindo. Sorrindo.

(Escrito sob o efeito de Tangerine Dream)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Lendas de Ho-Bah - Epílogo I

Acabaram-se os tempos lendários de Ho-Bah. Todas as metáforas de guerra, batalhas, cavaleiros astronômicos guardando o Reino, foram sendo progressivamente desmontadas. Heisíodo, como se identificava o ancião que cantava as histórias dos Cavaleiros Astronômicos para os jovens do reino, acabou morrendo. De suicídio. Com a ponta da caneta, envenenada. Com o fim da Ordem que agrupava esses cavaleiros, não havia mais épico a ser sustentado. Agora existiam só os homens que se agrupavam em torno do imperador, como uma espécie de conselho para decidir sobre coisas sob as quais eles já estiveram submetidos. Talvez seja época para uma nova mentalidade, uma nova auto-representação deste conselho. (Pixeis em uma placa detectora de fótons não é a melhor, mas pega bem).

Mas era como se dizia antes: as pessoas precisam de lendas. Elas precisam da memória épica, que foi quase completamente esquecida em outras realidades. Rael Erkírion foi o mais enfático a fazer essa exigência aos cristais roxos despedaçados expulsos do Templo dos Ventos. Ele precisava ser vestido com um manto mágico Vermelho e Índigo. É por isso que estas letras estão se gerando sobre este fundo roxo.

Vamos vestir Rael Erkírion com seu manto. Filho de elfos cinzentos, mais baixinho que o normal, foi um dos elfos que perpetraram a cultura armorial (o.O). Veio com os elfos, os elfos chegaram marchando e cantando sua música estóica preferida:

The winner takes it all
The loser has to fall
Its simple and its plain
Why should I complain

The judges will decide
The likes of me abide
Spectators of the show
Always staying low

Para que ele estava vindo? Trazendo elfos, ABBA e tudo o mais? Hmm... Ah sim, para uma reunião! Uma reunião do Conselho do Imperador, sob a Grande Árvore, Elendrasil, a árvore que sustenta todos os planetas.

Os anciãos roxo e vermelho encabeçavam a mesa (he he he). O manto roxo era o mais luxuoso, cheio de detalhes dourados e divinos. Guardava seu arco e flecha aposentados, tinha mais a mostra facoes e rodas dentadas que se usa pra cortar pessoas - coisa que a idade também não permitia mais. Empunhava ainda era aquelas luvas, luvas cheias de dedos para apontar para as pessoas. Lhunlindeion não deixava ver muito através de seu enorme manto vermelho rubro, do qual só se destacava o brilho seco da navalha do seu enorme machado, símbolo do seu poder e da tradição iniciada por ele.

Rael Erkírion, o principal pretendente (ou "sendo pretendido pelos outros") a usar as luvas douradas e divinas, foi simbolicamente o terceiro a chegar à mesa. Logo com ele veio o Cavaleiro Flicts em seu cavalo magro e inexistente, exibindo como sempre a mesma imponderabilidade de Tom Bombadil e Gato Félix, de universos vizinhos. E o sorrateiro cavaleiro incolor chegou também. Não se sabe como ele chegou; talvez Rael Erkírion pudesse dizer algo sobre isso, mas ele parece já estar vestindo as luvas douradas, pronto pra dar um fora dizendo que não sabe nada sobre que cores tem o Incolor. o Índigo tá ficando ignorante. Ele podia vir aqui e vestir os personagens também, com suas roupas de densidade psicológica. Um Épico Intimista é algo interessante que está por fazer. Se o Índigo não for capaz de gerar isso, brotará do fundo roxo. O Todo Poderoso Fundo Roxo.

Campagnolo, Samoth e Alen, que ainda não possuem cores nem vestes lendárias, nem nomes (quem?), também deveriam aparecer nesta mesa. Eles com seu secto de 22 campesinos. As faces dos outros 19 estão cobertas por sombra, mas há esperança que com o tempo vão se revelando. Eles fazem parte da Iniciativa dos 22: Quando o vigésimo segundo revelar sua face, o mundo de Ho-Bah estará mudado para sempre. O banco de apostas já está aberto, mas a lista de candidatos é secreta. De toda forma, Alen, vindo de terras mais ao norte daquelas dos elfos armoriais, tem sua veste barrocamente enfeitada com estrelas. A de Samoth, por outro lado, só mostra linhas e formas abstratas. Campagnolo mostra uma veste com traços que ainda não se consegue distinguir, com uma cor que não se consegue distinguir. Mas ele possui luvas, de um tecido pesado e escuro (couro com camurça). Luvas.

Não se pode não mencionar a ausência na reunião daquele que está sempre ausente, correndo pelos campos para rasgar abdomens bovinos com suas próprias mãos: o Cavaleiro Negro. Ele sequer pertence ao conselho, mas a roupa épica lhe cai tão bem que justifica a menção.

Ainda há Myuri Kaia, outra figura com luvas e com contornos pouco definidos. Culpa da neblina. Uma neblina muito densa pairava no local da reunião, de forma que ficava difícil reconhecer a maioria das formas. Tudo era difuso, dificil de distinguir - com exceção dos fortíssimos tons roxos e vermelhos dos anciãos. Uma forma alternativa de dissipar a neblina, que não seja usando os fragmentos de pedras roxas, é respirando o doce e inebriante aroma que sai do Pires - Um Pires Cheio de Segredos.

Lendas de Ho-Bah - Capítulo XIV

Um capitulo adicional de lendas que eu não escrevo mais, agora postado em blog. Se algum leitor desavisado aparecer aqui, ler, e quiser as lendas antigas, contacte-me.

Orcs disformes aparecem no horizonte. Não são mais aqueles orcs verdinhos que surpreendem com sua rudeza e com sua similaridade com o Cavaleiro Negro. São mais pálidos, mais pesados, carregam todo o cansaço do mundo. Aparecem se arrastando no horizonte, aproximando-se das colinas nas fronteiras de Ho-Bah, numa imagem arquetípica que povoa a mente de todos os habitantes de Ho-Bah. Salta de trás da colina o Cavaleiro Roxo - aquele que liderava as tropas do alto da colina com palavras e flechas. Salta desesperadamente numa missão suicida. É a quinta vez nos ultimos tempos. Parece que só faz querer morrer. Ainda corre, ainda grita com todos os outros, ainda tenta liderar, mas só para mostrar a podridão, a mesma podridão que os orcs carregam em seus passos lentos. Flechas são coisas do passado; luta com paus e pedras. Lança qualquer ataque que possa fazer doer a quem seja. Usaria um grande machado vermelho, regozijantemente, se tivesse um. Aquele machado que o Cavaleiro Vermelho não usa mais.

Cavaleiro Vermelho se arroxeou, e agora marcha pelas nuvens embalado pelos seus cantos. Ganhou mais elegância, mais delicadeza. Espera os momentos precisos para atacar. Evita ao máximo precipitar-se ou fazer qualquer lance que não seja totalmente seguro - ou pesado o suficiente para criar sua própria segurança. Ser Roxo, Ser Vermelho, Ser Negro, nada disso mais significa o mesmo. O que diriam Cavaleiro Laranja, Cinza ou Branco? Nada. Estão mortos. Todos. Cavaleiro Incolor permanece em sua virtualidade? O que é ser incolor hoje? A antiga ordem das coisas não cabe no novo mundo. As velhas pessoas e as velhas idéias morreram, as novas estão em algum outro lugar.

Rael Erkírion, onde está? A sombra por tras das cortinas que fecham as colinas da fronteira? Fala com um ou com outro, nunca com todos. Nunca por muito tempo. Evasivo como só poderia ser um humano com nome de elfo. Como ele mesmo se declara, é apenas um cavaleiro de paz, não de ação; cura, não ataca. Espera as coisas virem, não vai. Não vai. Mas está lá atrás. Observa tudo. Tem suas proprias opiniões mas não revela, não revela. Está lá. Esperando, curando. Compartilha a paz e o distanciamento dos homens do norte. Como o Flicts.

O Mundo Perfeito de Assiz enfim não parece tão perfeito. Um dia o arco-íris vai ruir. Mas há um fôlego, que sempre aparece quando ele aparece, se digna a vir ao mundo dos homens que suam e sangram. Ele mesmo está aprendendo a suar e sangrar. E tem vontade, tem bastante. É disso que precisamos, de homens com vontade. Há ovos homens. Há Campagnolo, que transborda vontade. Esse aí pode ser general um dia. Um cavaleiro dourado. Cuidado. Mas há algum mistério, como sempre há mistério nos homens do sul. Vejamos o que acontece. Eles dois têm um projeto, do qual também partilha Alen, o mais jovem entre todos eles, mas apesar de jovem também cheio de idéias e iniciativas. Sopro de novidade, sopro de futuro. Taí um lugar onde o novo pelo menos acena.

E Samoth, companheiro de Campagnolo em sua longa Jornada ao reino Thai. Mais incolor que o cavaleiro incolor, talvez? Certo é que estão trabalhando juntos , ambos em Hinpei, com os construtores. Uma dupla interessante. um grupo interessante. Heisen e Lhünlindeion; Rael; Assiz, Campagnolo e Alen; Farblos e Samoth. Eis os cavaleiros que sobraram em torno do Conselheiro e do Imperador.

Um grupo de cavaleiros, cada vez mais errante; um Conselheiro defensor dos antigos valores, um Imperador e a sua corte. Para terminar o elenco da peça, falta um personagem, difícil de caracterizar. Nasceu entre as escribas, mas com uma missão muito mais ambiciosa: abraçar todo o reino. Investigar, debulhar, revelar cada detalhe, cada canto desconhecido, cada memória. Myuri Kaia. Com vontade e disposição compatíveis com a grandeza do trabalho, relembrando o cavaleiro roxo na época de sua inventividade dourada. Mas lutando contra um monstro ainda maior, com eficiência ainda maior, trabalhando diretamente em nome da coroa. Aqui é muito do novo, ou da esperança dele. Rael Erkírion - o principal herdeiro da velha tradição, quem bancará a continuidade quando as duas últimas cores antigas evaporarem - já a convidou a pertencer ao grupo dos cavaleiros restantes. Será um mundo inteiramente novo.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

História do Mundo em Verde e Roxo

Parodiando um outro blog .

No início não havia nada.
Então foi feita a luz.

A luz se dividiu então em duas cores: verde e roxo.

Verde e Roxo apostaram uma corrida até a Terra, que existia antes do nada. E viraram duas mãos gigantes.

Desde então, essas mãos começaram a se sujar de barro e fazer todas as coisas. A primeira coisa que eles fizeram foi um escritor, e viram que era bom. Mas ele não escrevia, por que faltava o sopro da vida. Mas tudo o que existia no universo eram duas mãos e um caixote com barro; quem ia soprar?

Daí perceberam que a luz tinha se dividido em duas cores só no espectro visível: tinha sido parido dela também um raio de luz infravermelho, que era menos energético, mais cansadinho, e só chegou no barro bem depois. Então fez-se uma boca infra-vermelha que soprou e fez o escritor escrever.

A boca se gabava porque podia soprar e dar vida. Ela era mais importante; sem ela, as mãos só podiam fazer estátuas. (Por outro lado, sem as mãos, a boca só podia fazer lama borbulhante).

O escritor resolveu escrever. Mas não havia papel. A mão verde fez árvores, a mão roxa cortou as árvores, a verde prensou, a roxa encadernou, a verde entregou pro escritor. Da imaginação dele surgiram todas as coisas criadas; num acordo com a boca infravermelho, tudo saiu vivo sem nem mesmo precisar do barro. As mãos teriam ficado boquiabertas se fossem bocas. Dispensadas. Elas só serviram para plantar uma árvore (quem escreveu um livro foi o escritor; e ninguém teve filho nessa história).

Aí apareceu uma Laís e comentou no rodapé do livro do escritor. Ele resolveu escrever outro livro. E Fim.