quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Albireo

Um bico laranja e duro e rápido. Um bico que bica qualquer coisa que se aproxima. O mundo é um grande estofo para ser bicado - cada parte com um sabor diferente.

A bicada abre cascas e superfícies, deixando brotar o recheio mole e molhado e suculento. Como uma seta esguia que atravessa os véus de ilusão e atinge a Realidade Fundamental. Quem liga? os véus são comestíveis.

Uma tênue cobertura de gelo se forma na ponta do bico, rachada e despedaçada pelos geisers quentes que são expelidos pelo Sistema Nasal. O frio da ponta do nariz lembra o oposto do carinho-beijinho com a ponta do nariz. Mas o bico bica. Ele quebra gelos, fura e bate em todas essas partes do Estofo do Mundo que podem ser furadas e batidas.

É muito frustrante bicar um pedaço de água ou de qualquer líquido ou de algo pastoso o suficiente ou macio o suficiente ou etéreo o suficiente. Líquidos servem pra subir bem alto e descer em mergulho profundo e molhado e escuro e afogante e na busca desesperada de volta pela luz lá fora. Etéreos podem ser respirados com as narinas que o expelem de volta ou deixam cacos perdidos pelo meio dos tubos do grande Sistema Respiratório. Ou podem atingir e interagir com a alma levando-a a lugares e a texturas experimentadas só numa outra vida num outro nível num outro véu que pode ser comido e deleitado interminavelmente até o fastio e a plenitude da cessação. Pastosos não, pastosos são o perigo.

O Bico da Noite é a ponta dura e laranja que brilha na noite e rasga da noite o véu azul translúcido e que gira, correndo, pelas asas da Ave da Noite que empresta seu bico pro ofício. O bico brilha, cintila, mostra sua língua azul que sai do papo e alterna com a laranja mas pode ser vista facilmente com um olhar atento e ampliado. Um Bico sempre guia sua Ave para a direção certa, das descobertas e dos estofos, os bons estofos. Um bom Bico sempre sabe reconhecer um bom Estofo. Um bom Estofo sempre cobre, com conforto, o Conjunto de Todas as Coisas. As Coisas sempre têm bicos. As Coisas sempre bicam.






eu quero a contretude do mundo com uma completeza e uma presença que me dêem a certeza dos místicos de que eu estou vivo.