sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Cosmogonia

Há duas forças elementares, opostas e complementares.

O Laranja é a vibração pura, o calor, a energia da criação. É o ritmo, são também as variações do ritmo, os gritos, a angústia, a dor. É uma luz muito forte que não pode ser absorvida sem fazer explodir. É a força que move e que vivifica. É a energia luminosa que rompe a casca do vermelho.

O Roxo são as brumas do tempo e das almas. É a atmosfera, sem forma, sem fronteiras, sempre maior e mais rarefeita que nós. É o frio, é a umidade, é o sopro. É o mar infinito, a substância que faz flutuar, ondular, são os movimentos amplos e suaves, que quase não podem ser sentidos. É o toque suave do veludo. É a transcendência do azul.

O Roxo se condensa sobre o Laranja; o Laranja agita as gotículas, da vida a elas. Das diferentes conformações de Roxo e Laranja, todas as coisas são criadas. As formas, as texturas, as matérias, os objetos, os seres, os deuses, os princípios.

Dois intangíveis, a pura energia e a pura névoa, juntos formam o tangível, o duro. O perfeito equilíbrio do roxo e laranja é uma fina e perfeitamente lisa superfície de metal prateado. A linha que é toda quebrada e cheia de pontas, contrapondo-se à linha que é uma mancha esfumaçada, juntas formam a linha reta e sólida. O metal pode se desfazer em roxo, ou pode vibrar e aquecer em laranja; no seu equilíbrio, entretanto, é brilhante, limpo e anódino. A solidez das máquinas e dos robós.

O homem é máquina e robô, mas também é o desequilíbrio da máquina e do robô. Seu metal é como um recipiente, preenchido com roxos e laranjas líquidos. O homem anda, seus líquidos oscilam e se misturam, formando padrões de cores mutáveis (que podem secar ou não em contato com a terra rachada e batida, substrato dos acontecimentos), produzindo o drama da vida em sua inteira duração.

Há duas forças elementares, interagindo e criando tudo o que é criatura. Há a terra firme onde a criação habitam, onde convergem outras forças. Há o enredo, que se passa em padrões de cores, metal e terra.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Brainstorm

A maior parte das pessoas está muito ocupada com suas vidas ordinárias, seguindo seus trens e suas rotinas (http://xkcd.com/610/). Elas têm boas idéias, mas quase nunca há tempo para elas. Então as idéias se perdem, evaporam; elas se juntam às nuvens de idéias evaporadas de todas as outras pessoas. Nuvens se formam, espessas, com todas as idéias que não têm espaço na realização sensível.

De vez em quando, de tão pesadas, essas nuvens chovem, molhando-nos com arcos-íris de idéias e imagens, mostrando o mundo com cores novas e vibrantes. Brain storm.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Praia do Mundo

Boiando num imenso e aquoso azul, as partes do meu corpo são puxadas e empurradas por cada ondulação, cada turbulência, como num estado corporalmente inconsciente. Lentamente, minha consciência desperta, e passo eu mesmo a criar ondulações e turbulências. Brinco com as minhas ondulações contra as da água, faço dali o meu mundo. Dali faço vários mundos. A água é um meio de fertilidade infinita, um grande fluido que forma Formas e as desforma ao longo de todo o seu tecido. Entendendo a água, entendo que eu também posso fazer minhas formas, ondulando na água contra as suas ondulações.

Mas fatalmente, um dia, as ondulações me levam pra outro lugar. Um lugar onde a espessura da água é cada vez menor, mais rala; onde surge um fundo que cada vez mais sobe, cada vez mais sólido, comprimindo a água e as formas, fazendo-as mesmo desaparecer. Uma última ondulação me joga contra um fundo que já nem da água precisa mais. Estou encalhado. Esse novo mundo, da Terra, tem uma nova consistência. É sólido, firme, exige sensatez e estabilidade. Exige ciência, fé, previsibilidade. É lá onde os homens moram, todos eles, por mais devoção que tenham à Água. Nenhum homem consegue viver flutuando para sempre; se tenta fazê-lo, então é levado embora da vista dos outros homens - e portanto deixa de existir. Há os que creem num Paraíso da Água, que clamam se mudar para sempre para lá, abandonando tudo o que é firme, voltando ao nascimento de onde eu vim. Eles deixaram a comunidade dos homens.

Mas a Terra, sozinha, por certo é estéril. Tudo o que nasce dela é possível porque a Água a cobre sempre com suas tênues películas que vêm das ondulações espontâneas, ou correndo em meandros pelos pequenos espaços vazios que as pedras desleixadas e brutas largam ao redor de si. O homem que manipula a Água aprende então a manipular a Terra (apenas poucos homens, muito duros e secos, manipulam a Terra por si mesma). Cria na Terra as formas que criou na Água, mas acreditando que então estas formas serão firmes e estáveis como a própria Terra. Os homens vivem da Terra.

Toda essa sabedoria sobre a Terra me veio de pisar nela. Pisar, sustentar o corpo inteiro fixo, a partir de duas pequenas bases, e saber que não se vai girar, não se vai oscilar, não se vai cair. Na Terra se pode cair, bem como se pode levantar. Ascensão e Queda são coisas da Terra, são coisas dos Homens que precisam viver na Terra.

Encalhado, só me liberto com mais ondas, mais tênues véus de água que se interpõem entre mim e a Terra, que me permitem lembrar o movimento. Até a experiencia transcendente de pisar. Mas pisar aqui ainda não é tão firme, meus pés ainda afundam; essa terra ainda é moldável, quase como a água. E a água a molda sempre, trazendo suas ondulações e suas formas, transmutando formas fluidas em formas arenosas, moldando as terras à imagem e semelhança das ondulações da Água. É aqui, nessa Praia do Mundo, que eu devo viver, fazendo todas as formas fluidas das minhas brincadeiras, enquanto piso no fundo e puxo minhas formas para a Terra. Além de formar, agora eu posso construir.